terça-feira, dezembro 30, 2008

era uma menina que mudava tanto de ser e de emoções que começou a escrever cartas para as outras que eram ela mesma. pois uma noite sofria de chorar e acelerar o coração pensando na morte e na outra manhã já estava lá, que coisa obscena, comendo pão com margarina como se nada tivesse acontecido.
precisava sentir um mínimo de dignidade por si mesma e por seu sofrimento, então resolveu escrever, mas não compreendia seus próprios escritos. aquela que trabalhava como burocrata num escritório das 9h às 18h não entendia o bilhete torto que a bêbada rabiscara num guardanapo de bar durante a madrugada; a depravada bissexual sadomasoquista voyeur que tinha sonhos eróticos com o entregador de gás não via sentido no juramento de fidelidade da namorada comportada; a acadêmica estudiosa
achava pura bobagem o instante intenso de suspiro poético da romântica, e assim por diante, num alternar de gentes tão grande que era quase esquizofrenia. QUASE. ela só precisava aprender
que quando esse quase existe, é sinal de que está tudo bem. porque ser sempre do mesmo jeito geralmente é ser chato, e ser muitos ao mesmo tempo geralmente é ser louco. moral da história: sutil é o limite entre o tédio e o choque elétrico em franco da rocha.

(ana p.)

4 pensaram:

Gecko disse...

Nossa multiplicidade é o que nos define, afinal. Escrevi algo parecido no meu último post, até! Eu "acharam" engraçado essa coincidência!

Carol disse...

Adorei"
"ser sempre do mesmo jeito geralmente é ser chato, e ser muitos ao mesmo tempo geralmente é ser louco"

Bjs

Filhas da Pagu disse...

Ah que bom! QUASE me preocupei...
rsrs
Mais comum que a gente pensa. Muito bom.
Bjs,Karol.

Lais Mouriê disse...

Adorei, queridinha!!!!